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Mulheres na ​Linguística:

por um protagonismo feminino

Detalhes do ​Nosso Projeto

Mulheres na Linguística:

por um protagonismo feminino

Este projeto de extensão tem como objetivo promover o protagonismo de mulheres na área de Linguística. Buscamos dar visibilidade a pesquisadoras e divulgar as suas obras.

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Coordenador

Dennis Castanheira

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Graduado em Licenciatura em Letras (Português e Literaturas), com dignidade acadêmica Magna Cum Laude, Mestre em Linguística e Doutor em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Professor Adjunto de Língua Portuguesa da Universidade Federal Fluminense, onde lidera projetos de ensino, pesquisa e extensão e atua na Graduação, na Pós-Graduação Lato Sensu de Língua Portuguesa e no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem. É também docente do PROFLETRAS da UFRJ.

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Julia Duarte

Graduanda em Letras - Literaturas pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e faz iniciação cientifica na interface língua e literatura infantojuvenil, com enfoque em linguística textual e referenciação. Integra o Grupo de Pesquisa em Linguística de Texto.

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Cecília Attianezi

Atualmente é graduanda em Licenciatura em Letras - Francês pela Universidade Federal Fluminense, integrante do Grupo de Estudos Discurso e Gramática e bolsista FAPERJ de Iniciação Científica, pesquisando “A abordagem sobre pronomes pessoais com função de sujeito nos livros didáticos do ensino médio”.

Integrantes

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Integrantes

Barbara Paim

Laura Vieira

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Cursando Letras - Português/Literaturas na Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente participa do Grupo de Pesquisa "Discurso e Gramática" e é bolsista PIBIC pesquisando "A abordagem sobre pronomes demonstrativos em livros didáticos de Ensino Médio".

Graduanda de Letras - Alemão. Participa de pesquisas com abordagens voltadas para os estudos da Linguística de Texto, mais especificamente, da Referenciação, integra o Grupo de Pesquisa em Linguística de Texto e o Laboratório de Estudos da Tradução da UFF, na área da língua alemã.

Entrevistas

Confira nossas entrevistas com mulheres linguistas! Em cada edição, exploramos não apenas ​a produção acadêmica e a trajetória das nossas convidadas, mas também debatemos temas ​essenciais, como a representatividade feminina na área, os desafios enfrentados na academia, a ​maternidade, entre outros.

Entrevistas

Na nossa primeira entrevista, contaremos com a colaboração da Professora Doutora Luciana Sanchez Mendes, da Universidade Federal Fluminense.

Equipe do Projeto de Extensão: Você já desenvolve investigações linguísticas há mais de vinte anos. De lá para cá, como você enxerga o cenário científico para as mulheres linguistas?

Luciana Sanchez Mendes: Verdade, já são mais de 20 anos! Confesso que eu nunca tinha parado pra fazer uma comparação entre os períodos e tentado esboçar um panorama. Acho que, de forma geral, o meio acadêmico tem mostrado mais interesse para refletir sobre a presença de mulheres na ciência. Eu me lembro, por exemplo, de ter visto ser implementadas alterações em editais para ampliar o prazo de produtividade analisado das candidatas que foram mães. Nos editais para bolsa de produtividade do CNPq, por exemplo, são dois anos a mais para cada parto ou adoção. Mas, veja que essas são políticas recentes. Essa do CNPq é deste ano! Foi uma decisão que se seguiu depois daquele caso que ficou notório na mídia, em que um(a) parecerista comentou sobre a baixa produtividade científica de uma candidata menosprezando o fato de que ela tinha sido mãe no período analisado. Então, notamos que temos avanços, ainda que pequenos ou muito recentes.

Equipe do Projeto de Extensão: Uma das questões mais discutidas atualmente é a representatividade. Ao longo da sua carreira, alguma mulher te inspirou a ser cientista? Se sim, quem?

Luciana Sanchez Mendes: Nesse quesito, posso dizer que fui muito privilegiada. Sempre tive exemplos de grandes

linguistas inspiradoras, desde as minhas professoras do curso de Linguística da USP, passando, claro, por minhas orientadoras. A professora Ana Müller foi minha orientadora de uma carreira acadêmica inteira, da iniciação científica ao pós-doutorado e, ainda hoje é uma grande inspiração pra mim. No meu doutorado em co-tutela com a Université Paris 8, fui orientada pela professora Brenda Laca, hoje professora da Universidad de la República, no Uruguai, outra grande inspiração.

E não para por aí. Fui amplamente inspirada e orientada pela professora Luciana Storto a investigar a língua Karitiana, língua com que ela trabalhava e que acabou sendo também meu tópico de pesquisa por muitos anos.

Tive ainda o grande apoio da Ana Paula Quadros Gomes, que foi minha coautora no livro “Para Conhecer Semântica” e foi meu primeiro modelo quando saí de São Paulo e cheguei ao Rio de Janeiro. A Ana foi fundamental para o meu fortalecimento como pesquisadora em Semântica Formal nesse outro estado.

Eu preciso dizer que justamente essas mulheres citadas estiveram na banca de defesa do meu doutorado. Um dos momentos mais marcantes da minha carreira, que completou 10 anos agora em abril de 2024.

Além desses nomes mais próximos, também considero que somos privilegiadas na área da Linguística brasileira, com tantos nomes influentes incríveis. Nunca foi difícil, por exemplo, montar bibliografia para cursos de graduação e pós-graduação sem grandes nomes de especialistas nos temas abordados. Qualquer professor(a) que tenha dificuldade nesse sentido estaria bastante desinformado, não é?

Equipe do Projeto de Extensão: Na sua trajetória acadêmica, você orientou e foi orientada por outras mulheres linguistas. Você considera que esse movimento de mulheres orientarem mulheres pode contribuir para a construção de um ambiente acadêmico menos sexista?

Luciana Sanchez Mendes: Como disse acima, meu processo de formação acadêmica foi mesmo a partir da orientação de grandes mulheres. Talvez, naquele momento, eu não tivesse noção da dimensão que esse fato poderia ter na minha percepção sobre esse tema. Quando eu comecei a orientar, porém, essa questão ficou mais evidente. Sobretudo, acredito, porque comecei a fazer isso ainda bastante jovem. Nesse percurso, não foi incomum orientar tantos homens ou mulheres mais velhos do que eu. Mas contar especialmente com a presença de mulheres no percurso pode ter me trazido mais confiança para esse processo. Também, no longo prazo, penso que sim, a condução da pesquisa científica com base em relações acadêmicas em parceria entre as mulheres pode ajudar a nos fortalecer.


Equipe do Projeto de Extensão: Você é uma referência na sua área de atuação, com diversos produtos bibliográficos e

técnicos, que incluem publicações, pareceres, cursos ministrados e orientações de graduação, iniciação científica, mestrado e doutorado. Em sua experiência, quais são as suas maiores dificuldades sendo mulher na academia?

Luciana Sanchez Mendes: Acho que aqui nesse ponto vale a pena destacarmos o fato de que sou uma mulher branca, que mora sozinha e que não tem filhos. Sabemos que não sou exatamente um exemplo de alguém que enfrenta grandes dificuldades para a conciliação da carreira e das atividades domésticas. Entretanto, também não posso dizer que nunca sofri preconceito. Como eu disse, o fato de ter começado jovem despertou alguns desafios. Também já ouvi piadinhas do tipo que sugerem que, de alguma forma, posso ter tido projeção na carreira por conta de relações mais pessoais do que por conta do meu próprio trabalho, esse tipo de coisa que mulheres costumam ouvir em todas as profissões.

Equipe do Projeto de Extensão: Uma temática que vem ganhando cada vez mais destaque é a maternidade. Hoje em dia, em vários editais, já há pontuação extra para mães cientistas, bem como há o reconhecimento da licença maternidade nas bolsas de pós-graduação, por exemplo. Como você vê o cenário atual quanto a esses pontos?

Luciana Sanchez Mendes: Como temos notado, esse é um campo em que estamos vendo avanços, não é?

Pra se ter uma ideia, há, no momento, um edital da FAPERJ aberto exclusivo para pesquisadoras que são mães. Esse é um passo para que se avance na discussão sobre a jornada a que nossa sociedade submete as mulheres que são mães e pesquisadoras.

Mas acho que ainda há muito a se fazer. Não vejo um espaço de acolhimento nos nossos prédios para que as mães possam estar presentes em nossos eventos, por exemplo. Quantas vezes vimos banheiros com trocadores nas universidades? É um ponto para pensarmos.


Equipe do Projeto de Extensão: Atualmente, as agências de fomento têm lançado editais exclusivos para pesquisadoras mulheres. Como você enxerga esse novo movimento?

Luciana Sanchez Mendes: Esse é mais um ponto de avanço. Além do edital para pesquisadores mães de que falei antes, no ano passado, a FAPERJ lançou um edital com fomento arrojado para pesquisadores jovens mulheres. No nosso Instituto de Letras da UFF, eu e a professora Carolina Paganini fomos contempladas. Foi uma satisfação muito grande. Eu já fui bolsista de muitas agências e já tinha sido contemplada em vários editais. Mas, representar a nossa instituição nesse fomento específico me trouxe uma satisfação diferente.

Equipe do Projeto de Extensão: Apesar de a área de Letras ser predominantemente feminina, muitas vezes as pesquisadoras mulheres não ocupam posições de destaque. Quais medidas você acha que podemos tomar para que esse cenário se modifique?

Luciana Sanchez Mendes: Acho que aqui é possível ponderar que considero que as mulheres têm sim destaque intelectual na área da Linguística. Esse é um campo de estudos com muitas intelectuais influentes. Mas talvez podemos pensar que possa haver dificuldade em ocupar posições de destaque em cargos de presidências de órgãos e de gestão universitária e nesse caso, temos mais uma propriedade que projeta uma estrutura patriarcal da nossa sociedade. Esse é o padrão em muitas profissões. As posições de liderança são consideradas frequentemente como mais naturais para os homens. Por isso, acho que nesse ponto, não devemos pensar apenas no universo acadêmico, mas sempre discutir os problemas do sexismo na nossa sociedade como um todo.


Equipe do Projeto de Extensão: Você poderia destacar algumas das suas principais produções mais recentes? Além

disso, poderia deixar o link para o acesso ao seu site ou a outros meios de divulgação profissional?

Luciana Sanchez Mendes: Ultimamente, tenho me dedicado de forma mais atuante em duas áreas de pesquisa. A primeira é o desenvolvimento de um projeto de pesquisa internacional que começou a ser desenvolvido no pós-doutorado que realizei no ano passado em Leiden, nos Países Baixos. Trata-se de um projeto de médio prazo um tanto ambicioso que congrega avanços teóricos da Semântica Formal para a interpretação de quantidades e a análise de línguas sub-representadas com metodologia experimental. Com esse projeto, pude retomar o estudo de línguas indígenas, que esteve um pouco de lado ultimamente.

Esse projeto tem duração de mais três anos e conta com financiamento da Faperj (no edital para Jovens Mulheres). Com esse apoio, pretendo contribuir para equipar melhor nosso Laboratório na UFF (o GEPEX – gepexlab.wordpress.com) e voltar a fazer viagens de campo para as comunidades indígenas.

O segundo projeto está dedicado ao campo da investigação semântica e suas contribuições para o ensino de língua portuguesa. Esse tema começou as fazer parte das minhas pesquisas nos últimos anos, sobretudo a partir do impulso das minhas orientações. Orientei duas pesquisas de mestrado com esse tema e tenho, no momento, três doutoradas trabalhando com o assunto. Além disso, tenho sido convidada para dar palestras e participar de bancas sobre Linguística Formal e Educação, o que tem aumentado também a minha produção bibliográfica sobre o tema.

Por fim, gostaria de aproveitar o espaço para falar da minha atuação com Divulgação Linguística. Eu já fiz parte da Comissão de Popularização da Linguística e desde 2018 coordeno o projeto de Extensão Universitária Café com Linguística. Desde 2020, uma das frentes de trabalho desse projeto é o perfil @gramatimemes do Instagram, em que utilizo as piadas da internet para divulgar temas da ciência linguística. Toda a minha produção bibliográfica pode ser consultada na minha página profissional (sanchezmendes.wordpress.com). Na página, tem também uma aba que reúne minhas participações em lives com temas tais como semântica, línguas indígenas e popularização da linguística com memes.

Na nossa segunda entrevista, contaremos com a participação da Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos, da ​Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Equipe do Projeto de Extensão: Você concorda com a afirmação de que o ambiente acadêmico ​é sexista? Comente um pouco essa questão, com base na sua experiência ou no que você percebe ​na academia, entre colegas, alunos, técnico-administrativos.

Leonor Werneck dos Santos: Relações de poder, disputa de egos, preconceito e ambição ​atingem todas as camadas da população, e a academia não fica livre desses problemas, pois o ​ambiente acadêmico reflete o que acontece na sociedade como um todo. Então, o sexismo ​também acontece na universidade, mas me questiono se ocorre da mesma forma. Em ​universidades públicas, por exemplo, o salário é igual, a possibilidade de progressão na carreira é ​igual, independentemente do gênero, da cor de pele e da orientação sexual. Entretanto, questões ​que envolvem a sociedade como um todo também impactam a universidade, como a ​maternidade, a necessidade de cuidar de pais idosos etc. – tarefas geralmente atribuídas, pela ​sociedade, às mulheres.


Além disso, se podemos considerar sexismo não apenas ações, por exemplo, de assédio moral entre homens e mulheres, mas ​também as praticadas entre mulheres, podemos listar vários casos de sexismo na academia. E, quando falamos em academia, ​temos que considerar todos os envolvidos: alunos, professores, técnico-administrativos e, também, gestores, sejam eles ​públicos ou privados. Assim, podemos nos questionar se um grupo de alunos que ridiculariza ou menospreza uma professora ​mais exigente ou que repete roupas, mas não tem o mesmo comportamento diante de um professor que age de maneira ​semelhante, estaria agindo com sexismo. Ou se alunos e colegas agiriam de maneira diferente diante de um professor e de uma ​professora que se identificassem como LGBTQIA+, ou que fossem negros, idosos ou deficientes. O mesmo vale para técnicos-​administrativos e professores: tratariam de maneira diferente alunos e alunas em condições equivalentes? Ou seja, ao falar de ​sexismo, é essencial pensarmos também nos outros preconceitos que se sobrepõem.

Também fico me perguntando se, inconscientemente, repetimos um viés sexista em atividades acadêmicas. Por exemplo, outro ​dia fiz uma lista de poetas, contistas e romancistas lusófonos para indicar como leitura aos meus alunos – que geralmente ​pouco conhecem das literaturas brasileira e portuguesa. Quando terminei a lista, me espantei com a pouca quantidade de ​mulheres que citei: menos de 20%! Ao refletir a respeito, pensei em como fui condicionada, ao longo dos anos de estudos ​literários na escola e na universidade, a ler textos escritos por homens – mais uma vez, reflexo da sociedade machista que ​perdura até hoje mas foi ainda mais forte em séculos passados, quando as mulheres não eram sequer alfabetizadas, ou seja, não ​escreviam. Então, refiz a listagem, acrescentando mulheres, e cheguei a algo mais proporcional, quase 50%.

São, portanto, muitas questões a considerar quando se fala de sexismo na academia. Só posso responder a estas questões como ​professora, cisgênero, heterossexual, branca, de classe média, funcionária pública com mais de 35 anos de profissão – o que já ​me coloca em posição diferente de muitas outras mulheres da comunidade acadêmica. E, mesmo assim, respondo como ​mulher criada em uma sociedade machista, que pode já ter repetido algumas das ações que tanto condena.

Equipe do Projeto de Extensão: Você é uma referência na sua área de atuação, com diversos produtos bibliográficos e ​técnicos, que incluem publicações, pareceres, cursos ministrados, orientações de graduação, iniciação científica, Mestrado e ​Doutorado e supervisões de Pós-Doutorado. Em sua experiência, quais são as suas maiores dificuldades sendo mulher na ​academia?

Leonor Werneck dos Santos: Nunca me senti cobrada a mais ou prejudicada, na academia, por ser mulher, embora eu tenha ​passado por situações que me incomodaram. Por exemplo, tenho fama de ser exigente, não costumo faltar, sou organizada e ​tento cumprir tudo o que se espera de uma professora de universidade pública. Porém, nem sempre percebo que isso é ​valorizado por alunos e alunas, enquanto vejo colegas homens sendo mais respeitados ou, pelo menos, não sendo destratados. ​Talvez esse exemplo ilustre uma das dificuldades de ser mulher na academia: receber respeito semelhante ao que é destinado ​aos homens. Vejo outras colegas passando por situações equivalentes, mesmo sendo da área de Letras, onde a maioria é de ​mulheres.

Também já recebi um telefonema de um colega, em posição de coordenação, fazendo cobranças infundadas e incoerentes, em ​tom ameaçador. Ele recebeu de mim a resposta que merecia, nunca mais tocou no assunto e eu não mudei minha atitude nem ​minha maneira de pensar por causa desse caso claro de assédio moral, mas fico me perguntando se ele teria telefonado para a ​casa de um colega homem, de noite, para falar naquele tom ofensivo. Entretanto, tirando esses dois casos citados, em todos os ​mais de 30 anos na academia, como aluna, pesquisadora e professora, não percebi nenhum outro tratamento diferente ​destinado a mim – ou não me lembro. Tenho um comportamento que talvez dificulte os confrontos diretos e costumo ​responder à altura quando percebo qualquer tentativa de intimidação, mas reconheço que muitas mulheres sentem-se acuadas ​diante de situações semelhantes.

Gostaria, porém, de destacar que, em relação às alunas, percebo que muitas não conseguem se dedicar como poderiam às ​pesquisas devido à falta de rede de apoio para cuidar dos filhos, devido à violência doméstica (já tive ao menos duas ​orientandas que precisaram se separar de maridos que as agrediam), devido à necessidade de trabalhar em vários lugares para ​arcar com suas despesas, devido a dificuldades variadas para lidar com tecnologia, leitura de textos científicos e conhecimento ​de língua estrangeira. Esses problemas não afligem apenas as mulheres, mas são mais recorrentes entre grupos de alunas, uma ​vez que a sociedade (nem sempre a academia por si só) costuma cobrar muito das mulheres.

Nunca vivenciei isso porque sempre consegui articular vida profissional e profissional, sendo dedicada a ambas, sem me cobrar ​tanto em nenhuma esfera – afinal, se tenho uma certeza na vida é que nunca alcançarei a perfeição. Tento ajudar essas alunas ​sempre que posso, dar conselhos, sugerir caminhos, mas nem sempre consigo romper o ciclo que a sociedade impõe às ​mulheres.

Equipe do Projeto de Extensão: Uma das questões mais discutidas atualmente é a representatividade. Ao longo da sua ​carreira, alguma mulher te inspirou a ser cientista? Se sim, quem?

Leonor Werneck dos Santos: Como já disse, a área de Letras tem muitas mulheres, então a maioria dos profissionais nos ​quais me inspirei é de mulheres. Porém, para ser muito sincera, nunca parei para pensar se o professor que me inspirava era ​homem ou mulher. Talvez porque os homens que de fato me inspiraram nunca tenham demonstrado qualquer diferença de ​tratamento entre alunos de gêneros diferentes. O que sempre me inspirou – e me inspira até hoje – é o posicionamento ético ​do profissional, a capacidade de abordar teoria e analisar dados, a humildade de compreender que não conhece tudo. Assim, se ​eu tivesse a difícil missão de escolher – dentre os vários colegas que marcaram minha vida acadêmica e profissional – alguns ​que me inspiraram, certamente escolheria homens e mulheres.

Porém, para responder à pergunta, dentre as muitas mulheres que me inspiraram, eu citaria Ingedore Koch e Cleonice ​Berardinelli. Em áreas variadas e momentos diferentes da minha vida, essas professoras me mostraram como aprofundamento ​e atualização acadêmica, originalidade e criatividade, ética, bom humor, capacidade de síntese, dedicação, profissionalismo e ​atenção aos alunos são essenciais. Citei essas colegas das áreas de Linguística e Literatura, respectivamente, por admirar a ​maneira como tiveram que se sobressair – certamente às custas de muitas escolhas –, em meados do século XX, em um ​momento no qual a sociedade ainda estava engatinhando em igualdade de direitos. E porque essa referência a elas fica como ​uma homenagem póstuma, pois ambas faleceram recentemente.

Essas e outros(as) professores(as) me inspiraram a ser cientista, foram modelos a serem seguidos, no melhor estilo “quando eu ​crescer, quero ser igual”... E espero estar conseguindo, ao menos, honrar os exemplos deles e delas. Mas chega a ser injusto listar ​apenas essas colegas, pois foram muitos(as) que me inspiraram e continuam inspirando.

Equipe do Projeto de Extensão: Na sua trajetória acadêmica, você orientou e foi orientada por outras mulheres linguistas. ​Você considera que esse movimento de mulheres orientarem mulheres pode contribuir para a construção de um ambiente ​acadêmico menos sexista?

Leonor Werneck dos Santos: O ambiente acadêmico sexista não depende, a meu ver, de quem orienta quem, mas de uma ​mudança na sociedade como um todo. Eu já ouvi casos de assédio sexual e moral na academia, provocados por homens contra ​mulheres em situação de orientação ou em momentos de hierarquia administrativa. Mas também já ouvi, presenciei e vivenciei ​vários casos de assédio moral entre mulheres – cada vez mais frequentes e agressivos, inclusive. E talvez alguns possam ser ​rotulados de sexismo. Na minha vivência, o que mais me incomoda na academia é a falta de diálogo entre colegas, a disputa de ​egos, o predomínio de determinados grupos que se sentem melhores que outros. E, na minha experiência, isso acontece ​predominantemente com maioria feminina, infelizmente.

Equipe do Projeto de Extensão: Apesar de a área de Letras ser predominantemente feminina, muitas vezes as pesquisadoras ​mulheres não ocupam posições de destaque. Quais medidas você acha que podemos tomar para que esse cenário se ​modifique?

Leonor Werneck dos Santos: Em primeiro lugar, se por posições de destaque pensamos em cargos políticos (presidência da ​Capes, por exemplo), há de se pensar se a ausência de mulheres se deve a sexismo ou a uma falta de interesse delas por esses ​cargos. Eu, por exemplo, nunca me candidatei a nenhum cargo administrativo, nem tenho interesse. Mas conheço várias ​mulheres que assumiram cargos de liderança administrativa ou em grupos de pesquisa, órgãos de fomento etc. Inclusive, agora ​em 2024, a presidência da Capes é ocupada por uma mulher, que também foi reitora da UFRJ.

Reitero que tenho visto mais casos de assédio protagonizados por mulheres recentemente – e de desrespeito inclusive em ​relação a especificidades da maternidade. Portanto, não acredito que o fato de ter mais mulheres em posições de destaque ​mude de imediato esse cenário. Há de se mudar a postura acadêmica como um todo, a meu ver, de mais respeito aos colegas e ​alunos e de menos cobrança por produtividade a qualquer custo – independentemente de quem assina os editais e a legislação ​ser homem ou mulher.

Porém, fico me perguntando se, em cargos eletivos – reitoria, por exemplo –, haveria diferença quando há disputa entre um ​homem e uma mulher? Será que ambos seriam tratados do mesmo modo pela comunidade acadêmica? Será que, ao final da ​gestão, ambos seriam avaliados de maneira semelhante? São questões para as quais não tenho resposta, mas que podem entrar ​no debate também.

Equipe do Projeto de Extensão: Você já desenvolve investigações linguísticas há mais de trinta anos. De lá para cá, como você ​enxerga o cenário científico para as mulheres linguistas?

Leonor Werneck dos Santos: Na área de Letras e Linguística, há muitas mulheres, e, ao longo dos últimos 30 anos, na ​instituição na qual trabalho, é visível uma diminuição da quantidade de professores homens. Porém, o aumento de mulheres ​nos departamentos não necessariamente melhorou as condições de trabalho: o cenário científico tem adoecido a todos, devido ​a tantas cobranças por prazos e produtividade, e o ambiente acadêmico tem sido cada vez mais afetado – e o que observo é que ​isso independe de questões de gênero, cor de pele, origem socioeconômica etc.

Na Linguística, especificamente, se eu pensar rapidamente agora, observo que consigo me lembrar de um número considerável ​de linguistas brasileiras, de linhas teóricas distintas, frequentemente citadas em pesquisas. Certamente, essa quantidade de ​linguistas mulheres brasileiras de destaque representam um aumento exponencial de mulheres na academia, nos últimos 30 ​anos. Entretanto, curiosamente, se eu pensar em nomes de linguistas estrangeiras, isso não acontece: além de eu me lembrar ​mais de nomes de homens, tenho visto, inclusive, mais linguistas estrangeiros homens sendo convidados para palestras no ​Brasil. Seria essa divergência uma postura sexista nossa, em relação aos pesquisadores estrangeiros, privilegiando os homens, em ​detrimento das mulheres, que quantitativamente sobressaem? É algo a pensar...


Além de tudo o que ponderei acima, gostaria de destacar outra mudança – clara na sociedade – que vem impactando as ​mulheres, principalmente na área de Letras: a inserção tecnológica. Percebo uma grande dificuldade em muitas linguistas da ​minha geração ao lidar com tecnologia, certamente devido a uma postura da sociedade que sempre associou os homens mais ​do que às mulheres a máquinas. Assim, a geração à qual pertenço foi criada acreditando que computador era algo masculino, e ​nem sempre é fácil ver colegas mulheres quebrando esse paradigma. Eu, pelo menos, tento. Acredito que as novas gerações têm ​conseguido mudar esse panorama, afinal os nativos digitais devem saber usar TDICs, chatGPT, IA, plataformas de ​aprendizagem etc. Isso não só afasta as mulheres de novos espaços de pesquisa como afasta a própria área de Letras, que ​caminha ainda a passos lentos demais rumo à tecnologia, na minha opinião. Claro que há exceções e o problema não se ​restringe às mulheres, mas percebo essa dificuldade no dia a dia.

Equipe do Projeto de Extensão: Uma temática que vem ganhando cada vez mais destaque é a maternidade. Hoje em dia, em ​vários editais, já há pontuação extra para mães cientistas, bem como há o reconhecimento da licença maternidade nas bolsas de ​pós-graduação, por exemplo. Como linguista e mãe, como você vê o cenário atual quanto a esses pontos?

Leonor Werneck dos Santos: A questão da licença maternidade certamente precisa ser levada mais a sério: em 2003/2004, eu ​e uma orientanda ficamos grávidas juntas e precisamos manter todo o cronograma de orientação, chegando ao ponto de eu ​orientá-la durante os primeiros meses de amamentação e ir visitá-la enquanto eu ainda estava em licença-maternidade (ela ​mora em outro município!), após ela ter o bebê, pois ela precisava ficar em repouso absoluto (e digitando deitada para cumprir ​o prazo da defesa). Não há dúvida de que teria sido mais tranquilo e humano se tivéssemos tido tempo para descansarmos e ​nos dedicarmos às nossas filhas, em vez de nos preocuparmos com tarefas acadêmicas. Hoje em dia, esses encontros poderiam ​ocorrer por Google Meets – na época, poderiam ter ocorrido por telefone –, mas, de qualquer forma, a questão é que os prazos ​correm independentemente de questões associadas à licença maternidade.


Além disso, em algumas áreas, o fato de ser mãe pode vir a interferir bastante na carreira acadêmica, por exemplo, devido à ​necessidade de ficar horas em laboratórios, fazer pesquisa de campo durante vários dias fora de casa etc. Na área de Letras, o ​fato de ser mãe, por si só, interfere mais nas atividades acadêmicas e na pesquisa quando não há rede de apoio e quando a ​mulher, além de tudo, precisa se desdobrar em vários empregos. Certamente, ser mulher, mãe, esposa, faz com que eu precise ​equilibrar pratos, mas conto com uma rede de apoio excelente e sempre consegui dividir tarefas, pessoais e acadêmicas. Isso, ​porém, certamente não é realidade para muitas mulheres na academia.

Assim, é essencial destacar que o fato de uma pesquisadora ser mãe e continuar sua pesquisa depende de uma postura da ​sociedade mesmo, de ter uma rede de apoio, de ter condições para pagar uma ajudante se necessário etc. Além disso, é preciso ​ter organização e priorizar o que é mais importante, independentemente de ser homem ou mulher, de ter ou não filhos. Afinal, ​não apenas as mulheres precisam estar com os filhos, embora a sociedade cobre mais da mulher – e ela mesma acabe se ​cobrando mais. Durante os primeiros anos da minha filha, escolhi me dedicar mais a ela e, embora não tenha reduzido a carga ​horária em sala de aula, diminuí muito o tempo dedicado à pesquisa. Essa escolha não me prejudicou academicamente nem ​profissionalmente, mas claro que ser professora de uma instituição federal, com estabilidade, foi importante nesse momento ​da minha vida. Se eu fosse da iniciativa privada, provavelmente meus primeiros anos como mãe teriam sido diferentes. Então, a ​meu ver, ter filhos e atuar na academia depende muito da segurança profissional, além da estrutura emocional, social e ​econômica do pesquisador, independentemente de gênero.

Obviamente, tudo o que ponderei acima não impede que haja programas para apoiar mães pesquisadoras que precisam de ​uma estratégia diferente para se manterem atuando, pois isso é importantíssimo. Como eu já disse, muitas mulheres – ​professoras, alunas ou da área técnico-administrativa – precisam se desdobrar entre trabalho, casa e pesquisa, o que é bastante ​cansativo. Então, qualquer apoio que possa ser dado a essas pesquisadoras sempre será bem-vindo.

Equipe do Projeto de Extensão: Atualmente, as agências de fomento têm lançado editais exclusivos para pesquisadoras ​mulheres. Como você enxerga esse novo movimento?

Leonor Werneck dos Santos: Certamente, esses editais são muito úteis, especialmente para áreas em que as mulheres ​precisem de um olhar diferenciado e para quem não conta com estabilidade no emprego. Mas, volto a reforçar, a missão é mais ​complexa, pois a sociedade como um todo é sexista, cobrando muito das mulheres, e isso precisa melhorar também.

Além disso, uma boa iniciativa seria divulgar mais as pesquisas feitas por mulheres, na mídia em geral, para que a sociedade ​perceba o quanto se faz e o quanto ainda precisa ser feito. Muitas mulheres devem ouvir em casa “Mas o que você faz, afinal? ​Só estuda, só pesquisa?” – como se um TCC, uma Dissertação ou uma Tese fossem algo simples e sem importância. Os ​editais, portanto, podiam contemplar também a divulgação científica, em linguagem acessível, para que a sociedade conheça o ​que se faz na academia, principalmente por mulheres, valorizando nossas pesquisas e inspirando meninas a seguirem nossos ​passos.

Equipe do Projeto de Extensão: Você poderia destacar algumas das suas principais produções mais recentes? Além disso, ​poderia deixar o link para o acesso ao seu site ou a outros meios de divulgação profissional?

Leonor Werneck dos Santos: É difícil escolher alguma publicação recente, porque há artigos meus a respeito de temáticas ​diversas. Tudo que publico e oriento disponibilizo no meu site https://leonorwerneck.wixsite.com/leonor. No site ​https://gplint.wixsite.com/gplint e no Instagram do Grupo de Pesquisa em Linguística de Texto (GPLINT) também ​divulgamos pesquisas minhas e dos meus orientandos https://www.instagram.com/gplint.oficial/. Convido o leitor a visitar ​essas plataformas e ler o que disponibilizamos nelas.

Para nossa terceira entrevista, convidamos a Profa. Dra. Cristiane Dall’ Cortivo Lebler da Universidade ​Federal de Santa Catarina.

Equipe do Projeto de Extensão: Você já desenvolve investigações linguísticas há mais de quinze anos. De lá ​para cá, como você enxerga o cenário científico para as mulheres linguistas?

Cristiane Dall’ Cortivo Lebler: Desde que ingressei na graduação, em 2003, vivenciei muitas mudanças, ​especialmente no acesso à educação superior. Pude observar, ao mesmo tempo, uma expansão das ​instituições de ensino superior, ampliando as possibilidades de inserção e de vivência de diferentes ​experiências na universidade, assim como a adoção de políticas de fomento e de ações afirmativas que ​possibilitaram o acesso e a permanência de estudantes que outrora, por razões distintas, estavam à margem ​das universidades. Nesse movimento, o aumento da participação das mulheres, em decorrência dessa ​ampliação do acesso ao ensino superior, também é evidente – e isso se observa especialmente no campo das ​Letras, em que há uma predominância feminina.

Além disso, parece-me que os movimentos que advogam em favor da equidade e da igualdade de gênero na ​esfera acadêmica têm tido avanços, uma vez que é possível observar mulheres ocupando não apenas cargos ​importantes nas instituições de ensino superior, mas também posições de destaque no cenário científico. ​Outro fator que considero fundamental para esse posicionamento das mulheres é a relevância e o ​reconhecimento do trabalho que desenvolvem com profunda competência, ou seja, um reconhecimento do ​trabalho e não apenas do trabalho que uma mulher desenvolve.

Além disso, iniciativas têm contribuído para essa mudança, como a implementação de políticas de igualdade de gênero nas instituições ​acadêmicas, o surgimento de redes de apoio profissional e programas de mentoria dedicados a mulheres, além de grupos de pesquisa que dão ​destaque às questões relacionadas ao gênero e às suas implicações no cenário acadêmico. Editais exclusivos para pesquisadoras, como os ​lançados recentemente por agências de fomento, também têm desempenhado um papel crucial ao fornecer recursos e oportunidades ​adicionais para mulheres desenvolverem e liderarem projetos de pesquisa.

Em resumo, o cenário científico para as mulheres linguistas tem melhorado significativamente nos últimos quinze anos, graças a ​várias iniciativas e políticas de apoio. No entanto, a luta por igualdade de gênero na academia continua, e é crucial manter e ​intensificar os esforços para garantir que todas as pesquisadoras tenham as mesmas oportunidades de alcançar sucesso e ​reconhecimento em suas carreiras.

Equipe do Projeto de Extensão: Uma das questões mais discutidas atualmente é a representatividade. Ao longo da sua carreira, alguma ​mulher te inspirou a ser cientista? Se sim, quem?

Cristiane Dall’ Cortivo Lebler: Em minha trajetória, muitas mulheres me inspiraram a transformar vidas (a minha e a de outras pessoas) através ​do conhecimento. A primeira delas foi a minha professora de Literatura Brasileira, ainda quando eu ainda estava no Ensino Médio, que me inspirou ​a cursar Letras. Suas aulas eram excelentes e ela despertou em mim o prazer de estudar e de conhecer mais profundamente a Literatura. Depois ​disso, tive muitas professoras maravilhosas quando cursava Letras-Português na Universidade Federal do Rio Grande, na cidade de Rio Grande, Rio ​Grande do Sul, as quais, pela seriedade do seu trabalho e pelo compromisso com a formação dos seus estudantes, foram fundamentais para que eu ​desejasse seguir a carreira acadêmica. Uma delas, a professora Eliane Nogueira da Silva, foi minha orientadora de Iniciação Científica no último ano ​da Universidade e, além de me apresentar o universo da pesquisa e dos eventos científicos (com ela, apresentei pela primeira vez um trabalho em um ​evento), também foi fundamental para a decisão de cursar Mestrado quando concluí a graduação. Após, já na pós-graduação, a minha maior ​inspiração foi, sem dúvida, a professora Leci Borges Barbisan. Ela foi minha orientadora de Mestrado e de Doutorado na Pontifícia Universidade ​Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Além de uma grande pesquisadora, a professora Leci foi um exemplo de ser humano, sempre preocupada não apenas com as questões ​acadêmicas, mas, sobretudo, interessada em saber sobre a vida dos seus orientandos, aconselhando, acolhendo e vibrando com cada ​pequena vitória pessoal e acadêmica. A professora Leci foi para mim – e, certamente, para muitos outros orientandos – um grande ​exemplo de rigor científico, de ética e de respeito à pesquisa e aos sujeitos envolvidos; ela ensinou a importância do estudo e do ​conhecimento e, ao mesmo tempo, a necessidade de reconhecermos nossa pequenez diante de um universo imenso a ser descoberto. ​Ainda nessa fase de minha formação, tive a oportunidade de ser supervisionada, no Doutorado Sanduíche, pela professora Marion ​Carel, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, França, uma grande referência internacional em argumentação. Por ​fim, já atuando como docente do magistério superior, fui supervisionada, em meu pós-doutoramento, pela professora Leonor ​Werneck dos Santos, por quem tenho um imenso carinho e admiração, tanto pela relação pessoal que desenvolvemos quanto pelo seu ​papel fundamental no cenário nacional, conduzindo importantes pesquisas na área de Linguística de Texto.

Ao olhar retrospectivamente para toda a minha formação, percebo a presença fundamental de mulheres em todas as fases da minha ​vida. Talvez, quando cursava o Ensino Médio, ao me inspirar na minha professora de Literatura, não pensava exatamente em ser ​cientista, especialmente porque o senso comum associa a ideia de cientista a um padrão prototípico, que vive em laboratórios, em ​meio a vidrarias, muitas engenhocas e experimentos. Ao pensar nesse ideário comum, em geral a imagem que vem à mente é de um ​homem, vestindo guarda-pó branco, rodeado de estudantes e de auxiliares. Nesse sentido, até mesmo o termo “cientista” parece não ​encontrar em sua constituição semântica a figura feminina, quanto mais para uma jovem de 15 anos do interior do Rio Grande do ​Sul. Contudo, cada uma dessas mulheres, ao longo de toda a minha jornada de estudos, me incentivou e me encorajou a continuar a ​busca pelo conhecimento, e não tenho dúvidas de que cada uma delas compartilha desse lugar que hoje posso ocupar graças ao fato ​de ter convivido com elas.

Equipe do Projeto de Extensão: Na sua trajetória acadêmica, você orientou e foi orientada por outras mulheres linguistas. Você ​considera que esse movimento de mulheres orientarem mulheres pode contribuir para a construção de um ambiente acadêmico ​menos sexista?

Cristiane Dall’ Cortivo Lebler: Bem, eu sou uma entusiasta das ideias e, para mim, esse sempre foi o princípio norteador das ​minhas escolhas acadêmicas. Fui orientada por muitas mulheres, como relatei acima, e tive muitas orientandas mulheres, o que, ​talvez, possa ser explicado pela predominância do sexo feminino na Linguística. Contudo, nunca considerei o sexo ou a orientação ​sexual como um critério para a escolha de orientadores (ou de orientandos), porque o que me moveu sempre foram as possibilidades ​de trabalho e de pesquisa. É possível que as mulheres tenham mais sensibilidade a questões inerentes ao seu gênero e que isso possa ​tornar o ambiente acadêmico menos sexista. Mas também acredito no profissionalismo que deve permear as relações em qualquer ​espaço, inclusive no acadêmico, o que, em tese, coloca a questão do gênero e do sexo num lugar secundário nesse cenário. Contudo, ​também reconheço que as experiências nesse universo são diversas e que, em alguns casos, as relações acadêmicas estabelecidas entre ​mulheres possam favorecer a construção de um ambiente menos sexista.

Equipe do Projeto de Extensão: Você é uma referência na sua área de atuação, com diversos produtos bibliográficos e técnicos, que ​incluem publicações, pareceres, cursos ministrados, orientações de graduação, iniciação científica e mestrado. Em sua experiência, ​quais são as suas maiores dificuldades sendo mulher na academia?

Cristiane Dall’ Cortivo Lebler: Desde que iniciei minha carreira acadêmica, seja como estudante de graduação ou de pós-graduação, ​seja como professora e pesquisadora, não tenho experiências que eu possa qualificar como dificuldades vivenciadas pelo fato de ser ​mulher. Sempre tive excelente relacionamento com colegas homens e com colegas mulheres, com chefias compostas por homens e ​por mulheres.

Atualmente, coordeno, juntamente com dois colegas homens do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal ​de Santa Catarina, o Prosa – Núcleo de Pesquisas em Educação e Tecnologia Ético-Crítica, em que mantemos uma relação de ​profundo respeito profissional e pessoal, independente de questões relacionadas ao gênero e ao sexo. Contudo, apesar de não ter ​experiências negativas vividas quanto a esse aspecto, penso que a maternidade seja um momento sensível na vida das mulheres, com ​um importante impacto no âmbito pessoal e profissional, seja na academia ou em outros locais de trabalho.

Equipe do Projeto de Extensão: Uma temática que vem ganhando cada vez mais destaque é a maternidade. Hoje em dia, em vários ​editais, já há pontuação extra para mães cientistas, bem como há o reconhecimento da licença maternidade nas bolsas de pós-​graduação, por exemplo. Como você vê o cenário atual quanto a esses pontos?

Cristiane Dall’ Cortivo Lebler: A maternidade é biologicamente um atributo exclusivo das mulheres e, a meu ver, precisa ter seu ​olhar estendido para além do período em que legalmente a mulher tem o direito de estar afastada do trabalho para exercer esse papel. ​Desde as primeiras semanas de gestação, há mudanças importantes no seu corpo, sejam elas físicas, sejam elas fisiológicas, as quais ​impactam na sua vida laboral, assim como mudanças significativas na sua vida e na dinâmica cotidiana. Eu ainda não tive a ​oportunidade de ser mãe e, portanto, minha opinião parte das experiências compartilhadas por outras mulheres mães. Não bastasse ​empiricamente observarmos, cientificamente também está descrito o quanto as mulheres são mais impactadas pela maternidade do ​que os homens. Nesse sentido, é fundamental o reconhecimento do direito à licença maternidade e a sua concessão às pesquisadoras ​bolsistas. Apesar disso, é necessário um reconhecimento simbólico que ultrapassa o tempo contado no calendário: após quatro meses, ​os filhos ainda precisam ser amamentados, alimentados, cuidados, ninados na madrugada, levados ao médico e adaptados à escola. Ou ​seja, não é em razão de a licença-maternidade ter acabado que as demandas relacionadas à maternidade cessam.

Nesse sentido, as práticas citadas são fundamentais para que se possa contemplar as mulheres que também são mães, sem que essa ​opção as coloque à margem das possibilidades de ascensão trabalho.

Assim, para além dessas iniciativas, como forma de mitigar os impactos da dupla jornada vivenciada por muitas mulheres, são ​fundamentais a criação de ambientes de trabalho flexíveis, a disponibilização de creches nas instituições de ensino e a promoção de ​uma cultura que valorize e respeite a maternidade. Como exemplo, cito o SAAM – Serviço de Apoio à Amamentação na ​Universidade Federal de Santa Catarina, em que as trabalhadoras e as estudantes, quando do retorno às suas atividades após o período ​da licença, podem manter o aleitamento materno e ter atendimento especializado para essas questões. Além disso, é importante que ​essas políticas sejam acompanhadas de uma mudança cultural que valorize a diversidade e reconheça o valor das contribuições das ​mulheres em todas as fases de suas vidas.

Equipe do Projeto de Extensão: Atualmente, as agências de fomento têm lançado editais exclusivos para pesquisadoras mulheres. ​Como você enxerga esse novo movimento?

Cristiane Dall’ Cortivo Lebler: O movimento das agências de fomento em lançar editais exclusivos para pesquisadoras mulheres é ​um avanço significativo na promoção da igualdade de gênero na academia. Historicamente, as mulheres enfrentaram uma série de ​barreiras sistêmicas que dificultaram sua ascensão a posições de destaque no campo científico e acadêmico. Esses editais exclusivos ​reconhecem essas desigualdades e buscam corrigir o desequilíbrio, proporcionando oportunidades adicionais para que pesquisadoras ​desenvolvam e liderem projetos de pesquisa.

Ao oferecer suporte financeiro e visibilidade a pesquisadoras, esses editais não apenas oportunizam o progresso em suas carreiras, mas ​também promovem a inclusão e a valorização das mulheres na academia. Isso é especialmente importante em áreas tradicionalmente ​dominadas por homens, onde a presença feminina ainda é limitada.

Além disso, esses editais incentivam uma maior diversidade de perspectivas nas pesquisas, enriquecendo o conhecimento produzido e ​possibilitando avanços científicos mais abrangentes e inovadores.

Iniciativas como essas também têm um impacto positivo ao inspirar e ao motivar futuras gerações de mulheres a seguirem carreiras ​acadêmicas, em que jovens pesquisadoras sentem-se mais encorajadas a seguir essa carreira. Ademais, os editais exclusivos para ​mulheres ajudam a criar um ambiente acadêmico mais equitativo, onde a diversidade é valorizada e todos têm as mesmas ​oportunidades de contribuir para o avanço do conhecimento.

Além dos benefícios diretos para as pesquisadoras, esses editais também têm implicações positivas para a sociedade como um todo. ​Pesquisas conduzidas por equipes diversas tendem a abordar questões de maneira mais holística e criativa, levando a soluções mais ​eficazes e inclusivas para os desafios enfrentados pela humanidade. Em suma, o movimento das agências de fomento em lançar editais ​exclusivos para pesquisadoras mulheres é uma abordagem positiva e necessária, que não só promove a igualdade de gênero na ​academia, mas também fortalece o impacto e a relevância das pesquisas científicas para o bem-estar global.

Equipe do Projeto de Extensão: Apesar de a área de Letras ser predominantemente feminina, muitas vezes as pesquisadoras ​mulheres não ocupam posições de destaque. Quais medidas você acha que podemos tomar para que esse cenário se modifique?

Cristiane Dall’ Cortivo Lebler: Hoje, vejo mulheres em cargos de gestão, como Coordenadoras de cursos de Graduação e de Pós-​graduação, Chefes de Departamento, Diretoras de Centro, Secretárias e Diretoras de setores importantes da universidade, como Pró-​reitoras, Vice-Reitoras (é o caso da UFSC) ou, ainda Reitoras, em Universidades e em Institutos Federais pelo Brasil afora. Cada vez ​mais, as mulheres têm alcançado postos de liderança, graças à sua competência profissional e também a ações que visam a chamar a ​atenção para a necessidade de uma política equitativa quanto ao gênero. Contudo, ainda restam muitos desafios.

Promover a igualdade de gênero na Linguística, apesar de as mulheres serem maioria, exige diversas ações coordenadas. Uma maneira ​eficaz de começar é criando programas de mentoria, onde mulheres em posições de liderança possam orientar e apoiar suas colegas em ​fases iniciais ou intermediárias de suas carreiras. Além disso, é fundamental que as instituições adotem políticas que promovam a ​igualdade, como licenças parentais justas, horários de trabalho flexíveis especialmente às mulheres mães e processos de promoção e ​contratação transparentes. No caso das universidades públicas, esses vieses podem ser contornados, já que as contratações se dão pela ​realização de concursos públicos e as progressões funcionais, às quais está associada a remuneração, são normatizadas.

Como um segundo fator, penso que o incentivo e o reconhecimento do trabalho das pesquisadoras são igualmente importantes. ​Criar prêmios específicos, eventos que destaquem suas conquistas e oferecer financiamento direcionado para projetos liderados por ​mulheres são formas de valorizar suas contribuições. Garantir que as mulheres tenham representação equilibrada em comitês e ​conselhos de decisão também faz parte desse esforço. Além disso, é crucial monitorar e avaliar continuamente as políticas de igualdade ​de gênero, ajustando-as conforme necessário para garantir que sejam eficazes. Com um compromisso sincero e constante com essas ​ações, podemos criar um ambiente mais inclusivo e equitativo, onde as mulheres da Linguística possam alcançar e manter posições de ​destaque.

Equipe do Projeto de Extensão: Você poderia destacar algumas das suas principais produções mais recentes? Além disso, poderia ​deixar o link para o acesso ao seu site ou a outros meios de divulgação profissional?

Cristiane Dall’ Cortivo Lebler: Atualmente, não utilizo nenhum meio de divulgação profissional, conto apenas com a plataforma ​Lattes e com a generosidade dos buscadores e dos indexadores de periódicos para que minhas publicações sejam acessadas pelos ​interessados nas temáticas. Quanto às produções, sinalizo algumas que dão conta dos meus interesses nesses últimos anos: a Semântica ​Argumentativa e as questões envolvendo educação e tecnologias.

A Semântica Argumentativa é a subárea da Linguística a que tenho me dedicado desde o início do Mestrado na PUCRS, em 2007. ​Assim, tenho algumas publicações nessa área, que vão desde discussões acerca dos seus fundamentos até trabalhos aplicados. Cito a ​obra Curso de Semântica Argumentativa, publicada pela Editora Pedro e João (2021), na qual tenho um capítulo em coautoria com o ​colega Lauro Gomes (FURG) sobre os conceitos de aspecto argumentativo e de argumentação interna e externa. Trata-se de uma ​obra coletiva e distribuída online de forma gratuita, a qual indico para aqueles que buscam um conjunto de textos que trate de ​conceitos referentes à Argumentação e à Polifonia nesta perspectiva.

Por outro lado, desde 2020, tenho participado Prosa – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação e Tecnologia Ético-Crítica e do ​Laboratório de Novas Tecnologias do Centro de Ciências da Educação da UFSC e atuado em projetos de produção de materiais ​didáticos com financiamento do Ministério da Educação, os quais visam a materializar políticas públicas importantes na área da ​educação. Importantes reflexões têm sido desenvolvidas nas equipes multidisciplinares dos projetos acerca de questões referentes às ​Linguagens e ao seu papel nesse contexto. Como destaque, menciono o artigo Recursos educacionais abertos: gênero ou ​hipergênero?, publicado na Signo, que propõe uma discussão inicial acerca dos contornos desse gênero híbrido e multifacetado, que ​são os Recursos Educacionais Abertos. Para mais detalhamento a respeito desses temas, indico o site do Prosa, onde podem ser ​encontradas mais informações e produções de outros integrantes do grupo.

Agradeço imensamente pela oportunidade de compartilhar minhas pesquisas e os posicionamentos pessoais acerca dos temas ​envolvendo a presença das mulheres na Linguística, ao mesmo tempo que enalteço a iniciativa do colega Dennis Castanheira e de seu ​grupo de pesquisa em pauta-los.